quinta-feira, 12 de maio de 2016

Os fogos de Paraty: Capítulo III

(Confira o capítulo I clicando aqui e leia o capítulo II aqui).


Capítulo III

O cão se aproximava em passos implacáveis. Não possuía olhos; todavia, ele me avaliava, sopesando que tipo de ameaça eu representava àquela casa.

Recuei. Primeiro, um passo; depois, outro. Não conseguia desviar o meu olhar daquela criatura, ainda que eu estivesse amedrontada. Que animal impossível era aquele?

O cão somente parou de caminhar quando eu já havia recuado vários metros. A rua acidentada e escura me impedia de andar mais rápido, ainda mais de costas. Assim, ao fim de alguns minutos, nós ficamos imóveis, medindo um ao outro.

Foi quando ele uivou; um uivo agudo, uma mistura entre um aviso e um lamento, alto e penetrante. Nenhum outro animal poderia uivar daquele modo que mais se assemelhava a um grito.

 Toda a cautela e todo o fascínio me abandonaram. Virei e corri em direção ao cais, apertando a câmera com força em minhas mãos, me concentrando completamente no barulho das ondas da baía adiante e olhando apenas para as pedras irregulares sob os meus pés.

Apenas após a rua ter terminado e eu haver chegado ao gramado que se estendia até o início do porto, percebi uma dor ardente em um dos meus calcanhares. Mesmo assim, não diminuí o ritmo até conseguir chegar a uma fileira de carros estacionados.

Não havia ninguém ali. A escuridão absoluta não me permitia sequer enxergar a enseada; somente escutá-la.

Quando virei a minha câmera para o fim da Santa Rita, o flash iluminou o vazio. Oprimida por aquela ausência de movimentação, liguei para a minha esposa e pedi que viesse me resgatar.


Após algumas horas de sono agitado, acordei decidida a retornar ao sobrado para descobrir o que estava acontecendo. Já não possuía mais dúvidas de que todo o episódio se encontrava permeado pelo sobrenatural. Porém, ainda precisava saber os motivos: por que aquela tocha havia surgido e sumido das minhas mãos? Por que eu havia escutado aqueles sussurros? Por que, quando tinha me aproximado para fotografar melhor a casa, uma força havia me afastado de lá? E, finalmente, que aparição era aquele cão imenso sem olhos?

Sentia que o casarão desejava algo de mim. Não podia deixar de pensar que a tocha encontrada perto do sobrado tinha um propósito, bem como que os murmúrios queriam me dizer alguma coisa.

Portanto, a despeito dos conselhos da minha esposa – “você já não tem uma história boa o suficiente para contar?” –, resolvi voltar ao mesmo lugar.

Eram seis da tarde quando eu, com a minha câmera, cheguei ao casarão. A rua se encontrava cheia de turistas alheios. Naquele momento, não esperava obter uma resposta; isso apenas viria (se viesse) depois que todos houvessem partido.

Após armar o tripé e posicionar a câmera em frente ao sobrado, fiquei perplexa. As paredes, antes sujas e machucadas, estavam limpas e lisas. As pedras desgastadas entre as fachadas agora se encontravam como novas. O mais marcante, contudo, eram as portas e janelas: a madeira, anteriormente velha, brilhava, e as tábuas exteriores que as vedavam haviam desaparecido.

Eu precisava de uma bebida. 



-- O quarto capítulo do conto será publicado na próxima semana.

-- Todo conteúdo desse blog pode ser reproduzido, desde que o texto em questão seja reproduzido na íntegra, não seja usado comercialmente e que os créditos sejam atribuídos a mim, Isabela Escher Rebelo (Isabela Escher).



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